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- Gostava de lhe conhecer o rosto.
Fiquei quieta...muda. Li e reli... Confundo-me no que não encaixo. Bloqueio. Muitos me perguntam quem sou, porque não mostro a cara, os olhos... Vacilei. Perturba-me este ler-me tão atento. Interrompeu-me: - Apeteceu-me saber. Escrevo o silêncio. Espero. - É engraçado... Sinto que a conheço. “Não conhece! Aqui sou de mim a interrogação.” Apeteceu-me dizer-lhe, mas calei-me. - É-me familiar: no impulso, na energia. Tem razão! Este contacto do escritor com o leitor é arrepiante. Estamos aqui expostos, à mercê da sua interpretação...as palavras deixam de nos pertencer! E quando as passamos para o papel, já não dizem o que queremos, dependem da vontade de quem as lê. Mas o impulso, a energia vai…ou deles o que lhes permitirmos. - Concordo. - De resto não a consigo identificar. Assumiu uma pose de alguma passividade, de contemplação...mas muito feminina... Falo da fotografia das mãos. Não temos outra. Não é verdade, pensei dizer. Não faltam fotografias minhas. - Diz bem... Pose! Muito bem... Um dia destes mando-vos um rosto. O meu... Gosta mais de loiro ou moreno?- Brinquei. Silêncio absoluto. - Loiro. Parei. - Vou ver o que se pode arranjar. - Maria ...Não me apresente uma máscara! Fiz de mim o que não soube E o que Claro que podes podia fazer de mim não o fiz. O dominó que vesti era errado. Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me. Quando quis tirar a máscara, Estava pegada à cara. Quando a tirei e me vi ao espelho, Já tinha envelhecido. Álvaro de Campos em “ a tabacaria” Quimeras? Estou em casa a sós com a minha solidão acompanhada. Ele vai chegar não tarda, quem sabe cansado de tudo menos de repontar azedumes.
Horas houve onde chorei e até implorei por um coração que me olhasse. Mas porquê se o coração que lá está é fibroso de interesses contornados a razões filtradas pela razão do " ... eu é que sei!"
Vou até ao quintal que fica entalado no por detrás das casas dos vizinhos mas ainda tem espaço para receber as cerejas dos enormes ramos fugidos da cerejeira da Dona Regina nossa senhoria. São deliciosas as cerejas apesar do mau tratamento, ou nenhum, dispensado pela velha senhora àquela árvore majestosa.
Sento-me e penso escrevendo... Ouço aquela voz que me persegue e me diz em tom de pedido conturbado de desresponsabilização, se é que este termo existe quando eu nem sei quem me fala assim... Só sei que o sonho e gosto dele mesmo não gostando do pedido quase ordem e obedeço.
Hoje doi-me...
Sei que a vida me reserva qualquer coisa mas não seio quê nem quando. Por vezes penso se não será tarde demais mas depois como não acredito que amor tenha idade sossego!
Dói-me o tempo passado entre arranjos de camas onde já não me deito e os almoços que não como mas faço por me ter sido ensinado o dever de uma suposta boa esposa que não quero de momento contrariar.
Dói-me o sonho que tenho nas horas em que programei o futuro.
Dói-me a esperança dos tempos idos sem ela...
Dói-me a saudade dos tempos que vou viver.
Dói-me esperar pela voz...
O que me dói não é São as razões sem razão São como se o desencanto O que Me Dói não É O que me dói não é São as formas sem forma São como se a tristeza Fernando Pessoa, in "Cancioneiro" Foto Joe Wolf - Praia do Almograve
Quimeras?
Não me sais da Cabeça Pedro. Chamo-te assim porque não sei o teu nome. Só não consigo perceber como é tão clara a tua voz e tão real o que te escrevo. Devem ser as minhas heterónimas... pelo sim, pelo não vou visitar a Ana... isto é: vou consultar a Ana! Enquanto isso vou ter com ele, quando falo no ele é o meu marido, desculpem-me mas não tenho um nome para ele. É como se há muito vivesse com um sócio mas que não cumpre os trâmites de uma sociedade. Quando penso numa sociedade anónima enso neste tipo de sócios que pareem invisíveis. Bem, de nada vale chorar-me. Como diz o povo cada um tem aquilo que merece...e o que agora me merece é ir ver como está o rebanho e o meu Fiel. Aproveito ainda para ver o pôr do sol pelos montes abaixo. Sete quilómetros de ida e outros tantos de volta e damos a volta ao monte que abraça as Freixedas da ribeira até à aldeia. Vamos lá que dá tempo para responder ao Pedro...
Belas palavras Pedro, que de amor e felicidade…. - Amar não é largar... Fala comigo: Sei olhar a vida lembrando as coisas boas e a sentir a alegria pelo que de bom vou conseguindo! Inês Jorge
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